Obesidade em níveis alarmantes tem motivado estudos para entender ação hormonal, busca de recompensas por meio da alimentação e a chamada “comida conforto”
A obesidade está atingindo níveis alarmantes e a ciência está preocupada em entender o que leva uma pessoa a comer. Fome ou vontade?
O ato de comer nos seres humanos está, há muitos séculos, separado do simples fato de sentir o estômago roncando. Está ligado ao sistema básico de manutenção da vida, pois sem energia nosso corpo não funciona.
“Existe uma rede de mecanismos, chamados de homeostáticos, responsáveis por manter o organismo em equilíbrio, que dispararam vários sinais ao cérebro alertando que precisamos de energia. Uma vez que este sinal periférico, geralmente um sinal hormonal, chega ao cérebro, ocorre uma elaboração de resposta no centro processador de informações cerebrais, o hipotálamo. E é a partir do hipotálamo que a ordem é dada: precisamos de comida”, explica a endocrinologista Andressa Heimbecher, especialista em emagrecimento.
Segundo ela, o tecido adiposo (nossa reserva de energia) e vários outros sinais da periferia do corpo – como estômago e intestino – também são capazes de informar ao cérebro quando estamos alimentados.
“É como se fosse o controle de combustível de um carro: quando estamos cheios, o cérebro é avisado e a ordem de parar de comer é enviada”, completa.
Vários hormônios são responsáveis pelo controle do que ingerimos. Dois deles têm tido importância nos estudos de controle do apetite: a ghrelina e a leptina.
“Quando o nosso estômago está vazio, ocorre o aumento do hormônio ghrelina, que vai antecipar a vontade de comer”, explica a médica.
“Quando nos alimentamos, o tecido adiposo libera leptina e o pâncreas produz insulina. Estes hormônios vão avisar ao cérebro que estamos saciados. O que se sabe é que os pacientes que estão acima do peso, na grande maioria das vezes, apresentam resistência à ação do hormônio leptina. Isto quer dizer que mesmo que seja produzida uma quantidade muito grande deste hormônio, ele não será reconhecido. É como se não est ivesse sendo produzido.”
Vontade
Mas nem sempre comemos porque sentimos fome. Muitas vezes, comemos porque sentimos vontade.
“Este mecanismo, que tem sido amplamente estudado, envolve basicamente duas teorias: a primeira é a de que a pessoa come porque gosta de determinado alimento. A segunda é de que a pessoa come porque é recompensador. Esta última, é chamada de busca-recompensa.”, esclarece Andressa.
O problema acontece quando estes mecanismos de vontade causam o excesso de alimentação e, muitas vezes, o controle básico de “comer/parar de comer” é ineficaz em controlar a quantidade de energia ingerida.
“Vivemos num ambiente obesogênico, ou seja, somos cercados de estímulos para comer comidas palatáveis, de alto teor de açúcar e gordura. Além disso, os estímulos para mantermos nosso corpo em repouso, desde controles remotos até vidros automáticos nos carros, levam ao menor gasto calórico. Como evoluímos de um ambiente inóspito na época das cavernas, em que a comida era escassa e correr dos predadores era essencial para a sobrevivência, nós desenvolvemos sistemas cerebrais e nos tornamos poupadores de energia. O problema é que nos dias atuais não precisamos mais caçar nosso alimento, o alimento vem diretamente até nós e devido à este mecanismo de estoque de energia, a obesidade acontece”, pondera a endocrinologista.
Mas porque gostamos mais de chocolate do que de alface? “Porque os alimentos com mais gordura e açúcar estimulam determinadas áreas cerebrais ligadas ao prazer e à recompensa”, diz Andressa.
“Uma experiência positiva durante a alimentação tende a ser repetida, num processo chamado retorno positivo. Para o homem das cavernas comidas mais gordurosas, como a carne de animais, era mais prazerosa e palatável que o sabor de um vegetal, pois fornecia mais calorias essenciais à sobrevivência”, ilustra.
Existe ainda uma outra situação que é a chamada “antecipação do desejo”, que acontece quando, sem qualquer motivo aparente, sentimos vontade de comer determinado alimento.
Este movimento é relacionado com o neurotransmissor cerebral dopamina que, ao ter seus níveis aumentados, faz com que a pessoa busque por determinado alimento, a sua “comida conforto”.
“O valor da comida conforto não é somente atribuído ao paladar e à disponibilidade, mas também pela diferença genética e psicossocial de cada indivíduo. Por exemplo, o valor de um brigadeiro ou de uma canja de galinha para uns pode não ter significado para outros. Além disso, as experiências pessoais vão imprimir memórias aos cheiros, texturas e sabores, tornando esse process o de escolha alimentar algo muito mais complexo do que pensamos”, reforça a médica.
Estudos têm demonstrado que os pacientes obesos atribuem valores inapropriados aos alimentos. Segundo Andressa, o sistema de recompensa de um paciente obeso somente é ativado depois do quinto pedaço de pizza, enquanto que, uma pessoa com o peso normal, a satisfação vem com o segundo ou terceiro pedaço.
Além disso, enquanto nos magros as comidas com menos teor de gorduras já podem estar associadas à sensação de bem-estar, nos obesos o teor de gordura deverá ser bem maior para provocar a mesma sensação.
O grande questionamento é entender o que faz uma pessoa acima do peso ter esta distorção do sistema de recompensa?
A encocrinologista responde: “Isso é tema ainda para muitos estudos. A decisão de comer envolve a genética, o ambiente, a disponibilidade, as emoções e, é claro, a fome. O papel dos hormônios e dos neurotransmissores nesse admirável mundo novo, que é o estudo do apetite, ainda está começando a ser descoberto.”
Artigo publicado na Revista Exame em Jan/2014